Nephalins.

Egito.

Saqqara Norte, cerca de 30 km da cidade do Cairo.


_ Doutor Hughes...? – indagou o rapaz. Seus cabelos castanhos claros atingiam os ombros, e a barba rarefeita, estava mais para algum aspecto sedutor do que com descuido de sua parte.
Por trás das lentes dos seus óculos com aros de marfim, talvez a peça de maior valor que carrega consigo, Richard Hughes, olhou o jovem a sua frente. Estivera há horas esperando por ele, desde que recebera um estranho telefonema do serviço de proteção aos artefatos do Egito, e por sinal não se lembrava de já ter ouvido falar nessa agência... Esperava algum baixo e gordo burocrata, mas nem sequer egípcio aquele garoto a sua frente é. – Quantos anos ele tem? 25, 30? Isso só pode ser brincadeira... – Ajeitou os óculos e olhou melhor para o rapaz, detestava esses jovens com seus óculos escuros, sempre preferia lidar com as pessoas olhando-as nos olhos.

_ Garoto, pensa que estamos brincando por aqui? Tudo o que vê ao seu redor, todos esses homens e equipamentos, fazem parte de um trabalho sério e para o qual eu dediquei mais de quarenta anos da minha vida. E agora, além de termos que levar alguém sem conhecimento arqueológico, ainda precisamos esperar por horas? - disse o exasperado doutor.

_ Não tive a intenção de atrasá-lo, doutor, e estou pronto para adentrar as catacumbas assim que vocês estiverem. Quanto a não ter conhecimento arqueológico, como o senhor disse, pretendo surpreendê-lo... – o rapaz disse com uma voz calma, tranqüila e quase lírica.

_ Qual é o seu nome? – perguntou o doutor, ainda irritado.

_ Pode me chamar de Sullivan.- respondeu o rapaz.

_ Sullivan, as escavações estão terminadas há horas, estamos todos prontos para entrar na câmera subterrânea, apenas esperávamos por você. E quero que avise aos seus superiores do serviço de proteção aos artefatos do Egito, que o fato de você entrar conosco não vai querer dizer que eles tiveram qualquer participação no nosso trabalho. Já que está aqui e isso é algo irremediável, siga-me. – disse, e em seguida foi caminhando à frente de Sullivan.

Ambos caminharam até chegar à entrada escavada no chão que os levariam a uma suposta câmera mortuária, que o doutor Hughes dedicara metade de sua vida para comprovar a existência. Richard Hughes, renomado professor de Harvard e arqueólogo conhecido mundialmente, começara sua obsessão pelo que chamava de “A história dos três”, desde que pusera seus olhos em inúmeros rolos de papiros encontrados no subsolo aonde ficava a cidade que outrora fora uma capital do Egito Antigo, a cidade de Menfis na III dinastia. Os hieróglifos nos papiros contam a historia dos trigêmeos filhos do Faraó Djoser. E de como por meio de um Elixir administrado por uma feiticeira, eles foram salvos da morte quando ainda eram bebês. O doutor Hughes acreditou que os papiros haviam sido escritos pela própria feiticeira. Em um dos Papiros, que fora escrito em uma língua jamais vista e completamente desconhecida como sendo da III dinastia do Antigo Egito, e em que o doutor dedicou mais de dez anos na tentativa de decifrar, a feiticeira relatava que mesmo sendo diferentes, os poderes que os trigêmeos adquiriram, no entanto, de maneira intrínseca eram todos eles ligados pelos elementos. Num outro trecho possível ao doutor decifrar, ele apenas identificou isto: “... amando-se eternamente. Amaldiçoados. Eternamente separados...”.

O doutor Hughes, seu assistente, e mais dois operários que na escavação haviam encontrado a porta para a câmera mortuária, mas que não entraram por saber que tal ato só poderia ser feito pelo arqueólogo encarregado, encontravam-se agora diante da entrada escavada. O rapaz, Sullivan, junto deles.

Todos adentraram o túnel escuro, somente iluminado por lamparinas espalhadas pelas paredes e tochas que os operários levavam consigo. O doutor ia à frente com seu assistente, seguido pelos operários e Sullivan. Cerca de trinta minutos de caminhada por um terreno pedregoso, todos se encontraram diante da porta que foi deixada entreaberta pelos operários. O doutor Hughes tocou na porta. Tentava ler os hieróglifos desenhados.

_ Santo Deus! Só pode ser aqui. Vamos, ajudem-me a abrir toda a porta! – pediu o doutor.

Os operários se anteciparam e forçaram a porta, que se abriu fazendo um ruído que significava séculos sem manuseio. Lá dentro, viram inúmeras arcas, varias peças reluzentes ainda. No meio da pequena sala viram três sarcófagos egípcios do período da III dinastia. Os operários se afastaram, mas o doutor Hughes caminhou como se estivesse sendo atraído em direção dos sarcófagos por uma força invisível.

_ É tudo real. Os papiros... É tudo verdade. Eles existiram! Santo Deus! Por quarentas anos zombaram de mim, mas agora aqui está a prova. Os três existiram! – o doutor falava enquanto caminhava ao redor dos sarcófagos. Sua mão pairava entre eles, como se tivesse medo de tocá-los e descobrir que não são reais. _ Vejam aqui! Seus nomes; Meryetamun, Mêmphis e Meryamun. Temos de abrir esses sarcófagos...

O doutor parou de falar quando ouviu um dos operários gritar. Olhou na direção e o que viu foi algo inacreditável. Enquanto um dos operários rolava ao chão com todo o seu corpo coberto de chamas, o outro em vão tentava apagar o fogo jogando areia. E em seguida o doutor viu este operário cair de joelhos gritando, e como se houvessem saído de dentro dele, chamas tomaram todo o seu corpo. O doutor se ergueu em choque diante da visão aterradora dos operários sendo carbonizados vivos.

_ Pelo amor de Deus, doutor Hughes! Temos que sair daqui agora mesmo! O lugar é amaldiçoado! – o assistente gritava em desespero, e em seguida explodiu em chamas.

O doutor caiu pra trás e rastejou para longe do fogo. Foi com assombro que olhou para Sullivan e viu que ele havia retirado os óculos escuros. Os olhos do jovem brilharam intensamente com uma tonalidade vermelha, como fogo...

Sullivan caminhou até os sarcófagos.

O doutor ficou em silêncio, sua mente não conseguia interpretar logicamente todos aqueles acontecimentos. Viu Sullivan imóvel diante dos sarcófagos. O rapaz parecia perdido em seus pensamentos com a cabeça abaixada e uma expressão de dor e pesar.

_ Tinham que fuçar a terra e vir até aqui, não é, doutor? Vocês não podem levar suas vidas desprezíveis e insignificantes sem olhar para trás... – disse Sullivan. Abandonou sua posição frente aos sarcófagos e foi na direção do doutor.

O doutor Hughes olhou para o jovem sem compreender nada do que ouvira. Viu Sullivan sentar-se sob uma pedra e o olhar com um sorriso nos lábios.

_ É o passado que o interessa, não é? Deseja saber o que houve com os três? Responda!

O doutor ouvira Sullivan falar-lhe todas aquelas palavras com um tom ameaçador, e mesmo que não quisesse admitir, sentiu medo ao encarar aqueles olhos flamejantes, optou pela resposta que achava ser a desejada.

_ Eu... eu desejo! – disse o doutor num murmuro quase inaudível

_ Certo! Vou realizar seu desejo... Talvez o último...


“O engraçado é que boa parte de suas especulações estão corretas, por outro lado, são imprecisas.

De fato. Os filhos do Faraó Djoser eram três, mas eram gêmeos, sabia disso, doutor? Acho que não... Mas as crianças nasceram com uma enfermidade congênita. É claro que na época isso significava que morreriam em menos de três meses. O faraó mandou que chamassem todos os médicos, sacerdotes do Deus Amon, tudo em vão. Foi um desconhecido conselheiro que falou ao Faraó sobre uma feiticeira que supostamente havia curado inúmeras pessoas. O Faraó mandou que a chamassem urgentemente.

Não foi fácil encontrar a feiticeira, mas tudo o que um Faraó deseja, ele consegue. Quando, enfim, a feiticeira foi trazida até o Faraó, este a implorou que salvasse as vidas de seus filhos, no entanto, num exame feito por ela, comprovou-se que qualquer tipo de medicina, alternativa ou não, seria ineficaz. A feiticeira deu esta notícia ao Faraó, que obviamente não a recebeu bem... Ele esbravejou, amaldiçoou a tudo e todos e disse a Feiticeira que lhe daria qualquer coisa se salvasse a vida dos seus filhos.

A Feiticeira conhecia uma única maneira, no entanto, era algo proibido, algo que deveria ser guardado... Ela tomou sua decisão. E sem revelar a ninguém, deu aos bebês trigêmeos o Elixir da Imortalidade.

No dia seguinte as crianças já sorriam, sem nenhuma evidência de ainda estarem doentes. Satisfeito, o Faraó mandou que chamassem a Feiticeira. Assim que a encontrou, disse-lhe categoricamente que podia pedir o que desejasse. A Feiticeira pediu para ficar a sós com ele, e assim que todos se retiraram, pediu que a menina lhe fosse entregue, pois não podia ter filhos, e o Faraó poderia dizer a todos que apenas a menina não se salvara, mais os dois meninos estavam fortes e saudáveis. O Faraó considerou o pedido da Feiticeira um absurdo e se encheu de fúria. Disse a ela que sumisse de sua presença por lhe ter feito um pedido inconcebível e selvagem. Nunca um Faraó venderia um filho seu. A Feiticeira se foi, mas como não podia desfazer o que já estava feito, lançou uma maldição nas crianças.


“Vidas viverão. E isso é inevitável agora... Mas, felicidade nunca encontrarão. Um não poderá viver sem o outro, três que são como um, amando-se eternamente. Amaldiçoados. Eternamente separados.”

Depois disso nunca mais se teve notícia da Feiticeira...

Os três foram crescendo.

Normalmente irmãos gêmeos costumam ter algum tipo de ligação, mas jamais houve uma como a daqueles três, doutor, jamais!


Meryetamun, Mênphis e Meryamun. Três seres distintos, mas um único amor.

Desde muito jovens, eles já sentiam um pelo outro uma atração mais do que incomum... Eram constantes as carícias que trocavam... Deve achar estranho, não, doutor? Mas o que vai dizer se eu lhe contar que uma das coisas que mais excitava Meryetamun era ver seus irmãos se tocando? Ah, e por muito tempo foi assim entre eles, sem distinção alguma. Os serviçais do Palácio os encontravam em constantes momentos juntos e unidos... Entende o que falo, meu caro?

Outra coisa que acho, vai gostar de saber, doutor. Quando atingiram a puberdade, os três, desenvolveram um tipo de dom, algo que veio junto com o Elixir da Eternidade. Cada um deles tinha um tipo de poder... Meryetamun em muitas ocasiões de raiva e fúria fazia com que coisas explodissem em chamas. Mênphis conseguia encontrar água em qualquer lugar do deserto. Meryamun, às vezes podia ser duro como uma rocha e causar tremores de terra que faziam com que todos os serviçais o temessem. Os três resolveram guardar segredo sobre tais fenômenos.

Quando adultos as coisas mudaram um pouco... Meryetamun devia se casar com Mênphis, pois, como ele nascera primeiro, sendo o primogênito e sucessor do Faraó, devia tomar sua irmã como esposa para que o sangue divino dos deuses corresse puro em seus filhos.

Entenda, doutor, ela nunca poderia ter escolhido entre um dos seus irmãos, pois os amava igualmente. Não poderia abdicar dos braços, dos beijos, do jeito engraçado e sempre alegre de Meryamun. E de igual maneira era inconcebível estar longe de Mênphis e todos os seus carinhos e calor, o seu jeito sempre sério, inteligente, consciencioso e todas as coisas que ele a ensinava.

Precisava dos dois, qualquer coisa que não fosse isso, era morrer.

Lembra-se da maldição doutor? Lembra-se que eles são imortais? Vou lhe explicar essas duas partes, uma de cada vez e em ordem.

Mênphis orquestrara um plano. E por mais que amasse Meryamun, naquele momento desejava Meryetamun apenas para ele. Então, como sucessor do Faraó, enviou seu irmão para uma fortaleza bem afastada. Assim o caminho estaria livre para seu casamento com Meryetamun.

Houve uma briga entre eles dois. Meryetamun chegara no momento exato em que os dois lutavam. Eles estavam em uma pequena casa próxima ao Nilo, local onde os três costumavam se encontrar...

O choque de ver os dois brigando de uma forma em que estava preste a perder um deles, fez com que seus poderes se descontrolassem... Eles não a viram. E também usaram seus poderes, um contra o outro.

A casa inteira explodiu. Os três morreram juntos, pela primeira vez...

Mas eles não eram imortais, você deve estar pensando, não, doutor?

Pois eu lhe digo, meu caro, eles ainda estão vivos, e ainda amaldiçoados. A imortalidade acontece de variadas formas... E os três podem morrer, mas sempre vão reencarnar e lembrar de tudo e todas as vidas passadas que tiveram.”.

_ E é essa a história, doutor, ou na verdade apenas o começo dela...- disse Sullivan e em seguida voltou a encarar o doutor.

Ainda sentado no chão, o doutor ouvira tudo sem sequer mover um músculo. A única coisa que passava pela sua cabeça era saber a verdadeira identidade do homem a sua frente.

_ Quem é você? – perguntou com uma voz fraca, mas imperiosa.

Sullivan sorriu.

_ Ainda não compreendeu... – murmurou Sullivan, balançando a cabeça em negativa. _ Muito prazer, doutor, eu me chamo Meryetamun.

Os olhos de Sullivan brilharam novamente num tom vermelho como fogo, foi à última coisa que o doutor viu, e o resto foram cinzas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Meu Deus. Quase tive uma overdose de você. Absolutamente perfeita a forma que escreve.
Já sou viciada no senhor, Mr Arioto.
Quero mergulhar em você e degustar tudo com calma, mas é impressionante o jeito que me embriaga só com palavras.
Nephalins é uma crônica apenas? Tem mais disso guardado com você?
Nossa, eu consigo imaginar Nephalins virando filme. É dinâmico, rico.
Boa sorte, já conquistou uma fã!

Rodrigo Botelho. disse...

Uau, senhorita Eternity, deixa-me sem graça assim. rs.
Eu tenho mais coisas escritas sobre os três irmãos sim. Se quiser: gibreel.farishta@hotmail.com

Anônimo disse...

Boa noite, Inca.
Que bom que respondeu esse meu comentário.
Vou ler com calma os seus outros textos, mas volto a repetir, é maravilhosa a forma que escreve. Cheguei até mesmo a questionar a autoria dos textos, são todos seus mesmo?
Fico feliz que possa me enviar outros textos sobre Nephalins.
Meu e-mail: eternityalone@gmail.com
Obrigada pelo interesse em dividir comigo e desculpa pelo incômodo!
Boa noite e sucesso, você merece.

Anônimo disse...

Oi?
Esperava encontrar mais um presente delicioso por aqui, que pena, não foi dessa vez.

Beatsou disse...

Uau.. todos os seus textos são incríveis!! Amei!! Como continua a história dos irmãos? Fiquei curiosa! Simplesmente encantador... nem dá pra descrever em palavras... uau!