Cadeia Alimentar; vampiro Andrei Vasselevitch.

Minha paixão não é uma doença, mas sim um meio de vida. Não é um tumor que invadiu minha fibra moral, mas a verdadeira substância do meu ser. Não sou monstruoso, mas sim a quintessência da humanidade e do mal. Não é o que eu sou, mas sim quem eu sou. Eu sou quem eu sou.

Vou matá-la, eu sei. Quero possuí-la do meu modo pervertido tanto quanto quero sua vida. Isso é amor, dizemos nós, monstros, a nós mesmos. Amamos de um modo ardente demais, antigo demais, honesto demais. E, também, bestial demais. O amor é a última grande mentira. Há pouco que se possa dizer sobre um amor arrasador, tão desejoso de tornar-se um só ser com a amada que o amante cortar seu pescoço afim de beber o jorro vermelho, denso e quente, todo, até o último estremecimento do coração agonizante.

Permaneci como a sombra da jovem. Já a seguia por horas, desde que deixara seu apartamento, tomara um táxi e soltara numa rua deserta. Sei o que ela fará e a perspectiva de ver isso me excita de tal forma que só ficarei feliz quando o seu sangue rolar por minha garganta abaixo. Criatura fascinante. Ela dobra a esquina, seus cabelos dourados são agitados pelo vento. Muito bonita, irresistível a qualquer mortal. Tão mortífera quanto eu. Ela vai matar esta noite. Essa é sua paixão. Eu vou matá-la esta noite. Esta é a minha paixão.

Molly Winters chegou aonde desejava. Eu já sabia, por isso antecipei-me e esperei já dentro do apartamento que é seu destino final, ou, neste caso, o fim é do morador dele. Eu sou Andrei Vasselevitch, vampiro, alimento-me de sangue humano, leio mentes, posso voar pelos ares e uma série de outras peripécias preternaturais. Isto é o que sou há mais de quinhentos anos. Molly Winters é uma humana simples como qualquer outra, tirando uma única exceção... Nem todos os mortais possuem o mesmo hobby de Molly...

Molly Winters é uma assassina, mas ao contrário de mim que mato apenas pra viver, ela o faz por puro prazer. Aos quinze anos matou um amigo na escola, quando este tentava roubar-lhe um beijo. O crime nunca fora solucionado. Encontraram o menino jogado atrás da escola com um lápis enfiado na garganta. Foi o primeiro de uma série de mais de cinqüenta vitimas. Mas tudo na vida humana um dia chega ao fim...

Um qualquer. O tipo de sujeito que você encontra em toda esquina, no entanto, foi o escolhido de Molly. Porque? Eu sei. A mente dela é um livro aberto pra mim. Não tem lógica alguma o seu critério de escolha, mas ainda assim eu a compreendo. Eu sou o único que a compreende, e por isso, nada mais, nada menos, reservei-lhe um sublime fim nos meus braços.

O cenário montado. Dois dos participantes da peça já encontram-se no palco, a terceira e última, mas não menos importante, Molly, encontra-se parada diante da porta do apartamento. Ela tem uma faca de caça na bolsa. Eu, o vampiro, encontro-me escondido nas sombras. Ele, o escolhido, esta sentado na cozinha, tem um sanduíche em mãos, ele não sabe que será sua última refeição. Devo avisá-lo? Talvez ele prefira comer algo mais interessante, talvez o seu prato preferido, antes de morrer...

Como posso explicar o meu estado de ansiedade nesta situação? Normalmente sou criatura sem sentimentos, fria, não transparente. E, não sou assim porque quero, e sim porque vivi tempo demais. Sinto-me jovem, com o coração batendo apressado. Eu poderia estar suando de nervoso agora, mas não é pra tanto. E odeio exageros.

Ele não me interessa, mal o noto. Não pertence a mim e sim a Molly, que por conseguinte, não pertence a mais ninguem, além de mim.

Daniel se levantou assim que ouviu o som da campainha. Molly fitava-se no espelho que carrega consigo. Ela é extremamente vaidosa. Perde horas se arrumando quando pretende sair pra matar. Segundo a própria, esta é uma forma de dar uma bela última visão a suas vítimas.

Molly e Daniel se conheceram na faculdade. Ele o rapaz fantasma que ninguem nota a não ser que seja pra dirigir-lhe alguma zombaria. Ela a garota-maravilha que todas as outras querem se parecer e todos os garotos querem transar. Daniel não acreditou quando ela mesma se convidou pra um jantar em seu apartamento, no entanto, viu pelo olho mágico, lá estava ela com seu sorriso irresistível.

Daniel soltou um suspiro, contou até três e abriu a porta. Molly sorriu, deu-lhe um beijo no rosto, em seguida o olhou de cima abaixou e fez cara de desaprovação.

_ Eu trouxe vinho e comida chinesa. E o senhor ainda nem tomou um banho, pelo que vejo. Já pro banheiro, Daniel. – ordenou de modo sedutor.

Pobre Daniel, estalava os dedos de tão nervoso. Sim, ela tinha dito que viria, mas como ia acreditar nisso? Molly Winters, vinho e comida chinesa, no seu apartamento? Ele achou que fosse uma piada, mas aqui está ela, em carne e ossso.

_ Eu não acreditei que você fosse mesmo vir. Desculpe.

_ Não seja bobo. Eu sou uma mulher de palavra. Banho, Daniel. – foi empurrando ele em direção ao quarto. _ Fique bem bonito para mim, e não se preocupe, eu acho a cozinha, quando você terminar estará tudo pronto.

Um Daniel atônito e nervoso entrou no banheiro. Molly facilmente encontrou a cozinha. Passou tão próxima de mim que fiquei surpreso com o fato de não ter me notado. Tirou o vinho e a comida das sacolas. De sua bolsa um poderoso sedativo que faria Daniel dormir pelo tempo suficiente que ela precisará para amarrá-lo.

Preparou tudo enquanto ia cantarolando Paint it black do Rolling Stones. Música bastante apropriada, diga-se de passagem.

Quando Daniel deixou o banheiro, já vestido, seus cabelos castanhos escuros bem penteados, tendo optado, a despeito de sua visão míope, a não usar os óculos, Molly já tinha tudo em seu devido lugar.

O rapaz chegou na cozinha, seu nervosismo é quase palpável. Fiquei tentado a interromper a ordem natural das coisas e tomá-los, os dois para mim, entretanto, eu não sou egoísta, não sempre... Foi recebido por um beijo nos lábios de Molly que o fez corar. Ela o puxou para a cadeira. Tinha uma vela acesa em cima da mesa. Que delicado da parte dela fazer daquele momento o mais romântico possível. Molly ofereceu a Daniel uma taça de vinho cheia do sedativo e pegou a outra para si.

_ Um brinde a sua saúde, meu querido Danny. – eu sorri com a extraordinária ironia das palavras dela. Daniel ergueu sua taça e tocou a de Molly. Em sua mente ainda as mesmas perguntas sobre o repentino interesse dela na sua pessoa. Daniel se sentiu um cara de sorte...

Não demorou muito. Passaram a uma conversa trivial sobre as aulas da faculdade, até que ele soltou um sonoro bocejo, fechou olhos por alguns segundos, em seguida abriu-os, achando muito esquisito aquele sono súbito. Molly ficou de pé e foi em direção a ele, sentou-se no colo do rapaz e segurou seu rosto com ambas as suas mãos.

_ Durma, meu anjinho, eu cuido de você. – a cabeça de Daniel pendeu indo ao encontro dos fartos seios de Molly. Ele apagou completamente.

Observei Molly preparando o cenário para o próximo ato.





Daniel despertou trinta minutos depois. Qual não foi o seu choque ao ver que se encontra deitado na mesa da cozinha que, no entanto, agora encontra-se no meio da sala, suas mãos e pernas estão amarrados nos pés da própria mesa. Muito bem amarrados, por sinal, Molly sabe bem que diante de muita dor, alguns deles são capazes de se livrar de nós mal dados. E o rapaz agora achou que compreendia. Mas é claro, não? Molly Winters sairia com ele? Um ninguem, um nerd idiota qualquer? Claro que não. Daniel olhou em volta, esperava ver os outros alunos da turminha de Molly que viviam lhe pregando peças, porém, viu apenas Molly. Ela estava parada diante da janela, tinha uma faca enorme em mãos e fitava a rua lá fora.

_ O que está acontecendo? – perguntou Daniel.

Molly, como que pega de surpresa, encarou-o. Abriu um sorriso doce que tranquilizaria qualquer um que não estivesse completamente amarrado numa mesa.

_ Vamos brincar, Danny. O nome do jogo é ' eu te corto e você não grita'. É claro que vou deixá-lo completamente ciente de todas as regras. Não sou injusta, como você logo verá... – Molly aproximou-se dele. _ Regras, Danny. Eu vou fazer dez cortes em você com essa faquinha aqui. Apenas isso e te liberto. Mas, tem apenas uma coisinha... Se você gritar, acrescenta automaticamente mais dez cortes a brincadeira. Entendeu, querido?

_ Você é maluca? Molly, por favor, desamarre-me, eu não quero brincar. Você já me drogou, pelo amor de Deus, isso já esta indo longe demais! Eu vou denunciar vocês a policia! – esbravejou Daniel.

Molly balançou a cabeça negativamente. Deslizou a ponta da faca pela coxa de Danny. E rapidamente passou a rasgar suas roupas sem ouvir os protestos dele. Deixou-o sem a camisa e a calça. Notou que aquilo excitara o rapaz, assim que viu um robusto volume em sua cueca.

_ Veja só! Você está gostando da brincadeira. – ela passou a ponta da faca pelo abdômen dele. _ Vamos começar o jogo. Não grite, Danny.

A faca foi deslizando pelo peito do rapaz enquanto Molly sorria. Em seu íntimo, posso ler isso na sua mente, Danny acreditava ainda que fosse só uma piada, logo os outros apareceriam para rir do medo dele. Então tentou ser forte e encarou Molly com um certo ar de desafio.

Ela o cortou. A lâmina rasgou seu peito, arrancando-lhe para sempre um dos mamilos. Daniel gritou. Na verdade, foi um urro de pura dor. Eu sorri. Molly ficou muito triste.

_ Ah, não! Danny! Você gritou no primeiro corte! Céus! Eu agora tenho mais dez cortes. Dezenove cortes, Danny, dezenove totalizando agora. Que droga! Vê se fecha a boca. – falou Molly, profundamente triste por Danny. Eu aprecio a ironia.

_ Para com isso, por favor, para com isso!– suplicou o jovem Daniel. Eu me aproximei um pouco, ainda escondido nas sombras.

Molly cortou mais uma vez, outra, e mais outra. E, ele, talvez por não ter compreendido bem as regras do jogo, ou porque, de fato, não tinha muita imunidade a dor, gritou por tantas vezes que Molly perdeu a conta dos cortes, passando assim a retalhá-lo furiosamente. O sangue esguichou para todos os lados, sujando todo o carpete, atiçando a minha sede.

A senhorita Winters parou agora. Ficou completamente imóvel. E também completamente banhada no sangue do extinto Daniel. Ela deixou a faca cair no chão e ficou olhando, admirada, seu trabalho.

Um belo momento de contemplação. O artista que acaba de terminar uma obra prima, olhando admiravelmente para o resultado dos seus esforços. Adoro Molly Winters. Estou completamente fascinado por ela. Não existe a menor possibilidade de que não seja minha.

Eis o momento da revelação. Prometeu surge e trás o fogo aos humanos. Peter Pan entra pela janela, acorda Wendy, uma insana, sou forçado a admitir, oferecendo-lhe uma viagem sem volta para a terra do nunca!

Voilá! Andrei Vasselevicth entra em cena. Merde para mim!

_ Brilhante! Fantástico! – deixo as sombras e vou caminhando para o centro da sala, para a minha Molly, minha Sybil Vane, já que sou seu Dorian Gray, imortal.

Deixando seu transe contemplativo, Molly, vira seu rosto em minha direção. Lindíssima com as bochechas vermelhas de sangue. Quero beijá-la. Vi-a curvar-se, pegando a faca, pondo-se em posição de combate.

_ Vai querer jogar comigo? Eu não vou gritar. Vamos, comece. – fui até ela. Molly não hesitou e cravou a faca abaixo do meu peito, enterrando-a até o cabo, e, como todo bom ator, fiz minha encenação. Transformei minha expressão facial em uma careta de dor e cai de joelhos, não antes dela puxar a faca de volta. Olhei-a diretamente nos olhos. Obviamente não gritei.

_ Quem é você e o que esta fazendo aqui? – perguntou ela.

_ Sou Andrei Vasselevitch. O que estou fazendo aqui? Ora, eu vim jogar. Mas, se me permites, vou mudar as regras um pouco... Você tem direito a mais um corte, e então será a minha vez. – permaneci de joelhos, olhando para ela e sorrindo.

Ela veio até a mim, puxou-me pelos cabelos, assim deixando meu pescoço livre para sua faca.

_ Você já era, maluco. - cortou-me de orelha a orelha. Fechei os olhos e deixei que meu corpo fosse de encontro ao chão. Ela ficou parada, olhando para mim e indagando-se. 'Como esse cara veio parar aqui?'. Em seguida tratou de pegar todas as suas coisas. Tinha a intenção de se limpar e sair, mas a minha chegada a deixara preocupada e com pressa. Trocou de roupas e limpou o sangue como pode. Quando Molly chegou a porta eu me levantei, fiz isso em menos de um segundo.

_ Ah, o jogo ainda não acabou, Molly. – ela se virou, pela primeira vez seu rosto expressar o mais puro medo. Sua atenção foi tomada pela total ausência do ferimento em meu pescoço. Movi-me novamente rápido demais para os seus olhos mortais. Segurei-a pelos pulsos, prendendo-a contra a madeira da porta. _ Minha vez...

Deixei que minhas presas falassem por mim, enterrando-as no pescoço de Molly. Seu sangue veio alegremente para minha boca. Chupei com vontade, sorvendo cada gota de lembrança, cada assassinato cometido, cada jogo, cada vida, almas roubadas, pela minha doce Sybil Vane. Foi com um esforço hercúleo que a deixei. Tomei-a em meus meus braços e fiz com que deitasse no sofá. Seu sangue aliado a suas lembranças mortíferas deixaram-me tonto. Cambaleei até uma poltrona do outro lado da sala, sentando-me. Molly recuperou os sentidos, buscou-me com os olhos.

_ Vampiro... – murmurou.

_ É tudo o que sou, querida. – retruquei. Limpei meus lábios com a manga da camisa.

_ Por favor, eu quero ser como você... – suplicou Molly. Minha Molly assassina dirigiu-me uma súplica. Senti-me cheio de alegria.

_ Isso não pode ser. Gosto de você assim. Humana e assassina. Quente e macia.

Ela se levantou lentamente, estava fraca devido a perda de sangue. Perda para ela, para mim foi tudo muito bem aproveitado... Deu passos trôpegos em minha direção. Eu apenas a fitei. Molly sentou-se em cima das minhas pernas e me beijou nos lábios, mordendo-me, suas mãos se fecharam em minha nuca.

_ Por favor, por favor, por favor... sussurrou, gemeu, por entre nossos lábios.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Amamos de um modo ardente demais, antigo demais, honesto demais. E, também, bestial demais. O amor é a última grande mentira. Há pouco que se possa dizer sobre um amor arrasador, tão desejoso de tornar-se um só ser com a amada..."

Quem não morreria por um amor assim?
Bestial, mas intenso. Do tipo que se faz qualquer sacrifício para obte-lo. Livre de qualquer julgamento,entendo Molly ao cruzar o seu caminho com o de Andrei. Mas não consigo me remeter ao Andrei em relação ao de Molly. Será que é a fascinação por se deparar com uma humana livre de humanidade? O vampiro de 500 anos viu-se enfeitiçado por uma humana frágil justamente porque ela mostra desprendimento total de sentimentos que ele precisou de séculos para despir-se?
É uma representação extraordinária de uma cadeia alimentar.
Gosto da forma que descreve o encontro dos dois, a forma que ele a toca, é fascinante.
Faz-me querer estar no lugar da Molly só pra sentir as fagulhas na pele que ela provavelmente sentiu.
Doido não? Querer colocar-me na posição de uma psicopata.
Já disse, você provoca sentimentos contraditórios em mim, é fascinante, mas não menos perturbador.
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