O doutor Henry Philmore ajeitou seus óculos, e se esforçou ao máximo para não demonstrar nenhuma reação a afirmação que o rapaz no divã acabara de fazer. O rapaz é muito bonito, possui cabelos loiros compridos até os ombros e um sorriso atraente, certamente devia fazer sucesso com as mulheres, bom, talvez se não fosse louco...
_ Então você acredita que é o Diabo? - perguntou o doutor. Não estava olhando diretamente para o rapaz, seu olhar estava preso na prancheta em suas mãos, ele desenhava um sol e nuvens, mas agia como se suas anotações fossem a coisa mais importante do mundo.
_ Não. Eu sei quem sou, portanto estou afirmando.
_ Entendo...- murmurou Philmore. A convicção com a qual o rapaz falava fez com que o doutor refletisse quanto a qual método usar para prosseguir.
_ Entende...? - foi a vez do rapaz indagar, erguendo a sobrancelha como se o repentino entendimento do doutor fosse algo difícil de crer.
_ Entendo o que você quer dizer com suas palavras.
_ Não! Eu farei com que você realmente entenda... - falou o rapaz, interrompendo o doutor e em seguida estalou os dedos.
Henry Philmore, psicanalista conhecido internacionalmente, escritor de três livros e pai de dois filhos, não estava preparado para aquilo...
Quente. Quente como deve ser inferno. Henry ainda estava na sua poltrona, o rapaz que acredita ser Satánas ainda estava no divã, porém a sala inteira não estava no mesmo lugar. Aquilo que os olhos de Henry viam agora só podia ser o inferno. O céu é vermelho, um rio de magma separa sua poltrona do divã do rapaz. A direita havia uma fila infinita de pessoas acorrentadas, criaturas draconianas conduziam seres humanos com se fossem gados. Henry arregalou os olhos, e antes que pudesse recitar a mais conhecida sentença humana, tudo havia acabado.
_ … Deus! - exclamou o doutor, abrindo os olhos e vendo que era sua sala outra vez.
_ Entende agora, doutor? - ria o rapaz.
Henry tentou controlar sua respiração, ele puxava o ar com força para depois soltá-lo num forte suspiro. Enxofre! Estava sentindo ainda o forte cheiro de enxofre.
_ Você esta falando a verdade... meu Deus!
_ Se quiser posso fazer uma demonstração mais realista...
_ Não! Por favor, já chega! Eu acredito em você, mas... mas o que quer de mim? Minha alma?
O rapaz agora fez uma careta de puro escarnio, ou talvez de tédio, parecia que o assunto tomava um rumo indesejado para ele.
_ Alma? E o que eu faria com a sua alma, doutor?
_ Eu não sei. Suponho que tenha alguma utilidade, bom, não é isso o que você faz? Rouba almas? Faz pactos por elas?
O rapaz soltou uma sonora gargalhada, porém de pouca duração, e no fim ele soltou um suspiro cansado.
_ Eu nunca fiz pacto por alma alguma. É tudo folclore, ficção, parábolas criadas por vocês. Por acaso você já ouviu falar em uma espécie de bolsa de valores de almas? Já viu passar no noticiário a cotação das almas no mercado? Almas não valem nada. Se Deus pagasse um dólar por cada ser humano que deseja vender-me a sua eu já estaria milionário.
_ Então o que quer comigo? - perguntou o doutor.
_ Que faça seu trabalho, oras. Pergunte-me sobre os meus sonhos, use as duas últimas palavras das minhas frases e transforme em uma pergunta, enfim, faça o seu trabalho. É psicanalista, não? Então é o que eu quero que você faça.
Doutor Henry ficou em silêncio. Se um outro colega seu de profissão lhe contasse essa história, certamente recomendaria tratamento para ele. Poderia ser isso? Talvez depois de tanto tempo entre loucos, ele enfim se torna um...
_ Estou ficando louco, deve ser isso... - lamentou.
_ Não! Eu é que estou ficando louco, doutor... - o rapaz se ergueu, ainda sentado, porém com as costas eretas e os olhos fixos no doutor agora. _ Perdi completamente o juízo. Estou no limite, doutor. Não suporto mais. Sinto que vou explodir a qualquer momento...
_ Calma, fica calmo. - disse o doutor, notando o quão genuíno é o desespero do diabo. _ Porque isso?
_ Ora, não é óbvio? Estou farto de vocês, humanos. E digo, doutor, se de fato eu tivesse metade do poder que vocês que me atribuem, ai sim este mundo estaria perdido. Primeiro esqueça de vez a bíblia, pois lá está escrito o que Ele quis que estivesse. Acho que meu erro foi não ter escrito uma... Mas eu não queria religião nenhuma, sequer seguidores. Eu só estava cansado da vida de anjo, é um saco, doutor! Acordar cedo todas as manhãs, eu tinha de ser a primeira estrela a brilhar no céu todos os dias. Não recomendo a ninguem. E quando larguei tudo, mudei de vida achando que dali pra frente eu poderia ter uma casa no lago, pescar, viver com tranquilidade, é essa merda ai o que acontece! Deus me tira pra bode expiatório.
O Diabo deu de ombros.
_ Não sei o que dizer...
_ Não diga nada, a culpa é sua também, de todos vocês. Já notou como são sortudos? Sim, todos vocês nasceram com um bilhete premiado. Podem fazer tudo, as atrocidades, as barbáries que desejarem, nunca são responsabilizados por nada. Tudo é culpa do diabo, minha culpa. Eu estou lá no inferno, que por si só já é um pecado, então algum humano resolve matar seus pais; culpa do diabo. Um humano decide fazer uma guerra, mata milhões de outros humanos; minha culpa. Minha culpa! MINHA CULPA! Pais irresponsáveis permitem que suas filhas de treze, catorze, quinze anos terem acesso a internet sem jamais monitorá-las. Essas meninas conhecem marmanjos, velhos babões, psicopatas sexuais, são induzidas a encontros, estupradas, mortas. Culpa de quem, doutor? Não responda, é uma pergunta retórica! A culpa é sempre minha. Esta vendo como vocês são criaturas abençoadas? Depois de cometerem os atos mais terríveis, vocês procuram uma igreja, aceitam jesus, ALELUIA, GLÓRIA A DEUS, PAZ DO SENHOR IRMÃOS, e vão para o céu. Ah, vai tomar no cu, porra! - terminou levando as mãos a cabeça e fitando o chão, parecia de fato desconsolado.
_ Fale baixo e preste atenção no seu vocabulário. Isso aqui não é o inferno, ou a casa da mãe Joana. - disse o doutor, provavelmente esquecendo com quem esta falando...
_ Sinto muito, doutor, acho que me empolguei... Mas consegue ao menos entender o meu lado? - perguntou o triste diabo.
_ Eu.. bom, sim, mas eu não sei como posso ajudá-lo... - finalizou o doutor, e de fato não tinha a menor idéia do que poderia fazer pelo demônio deprimido.
_ Você bebe, doutor? - o diabo perguntou.
_ Ahn, bebidas alcoólicas?
_ Claro que não é água, né? ¬¬
_ Um drinque ou dois em festas...
_ Eu preciso tomar um porre... - disse o diabo.
_ Acho que eu também... - murmurou o doutor
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