Terapia Diabólica.

O doutor Henry Philmore ajeitou seus óculos, e se esforçou ao máximo para não demonstrar nenhuma reação a afirmação que o rapaz no divã acabara de fazer. O rapaz é muito bonito, possui cabelos loiros compridos até os ombros e um sorriso atraente, certamente devia fazer sucesso com as mulheres, bom, talvez se não fosse louco...

_ Então você acredita que é o Diabo? - perguntou o doutor. Não estava olhando diretamente para o rapaz, seu olhar estava preso na prancheta em suas mãos, ele desenhava um sol e nuvens, mas agia como se suas anotações fossem a coisa mais importante do mundo.

_ Não. Eu sei quem sou, portanto estou afirmando.

_ Entendo...- murmurou Philmore. A convicção com a qual o rapaz falava fez com que o doutor refletisse quanto a qual método usar para prosseguir.

_ Entende...? - foi a vez do rapaz indagar, erguendo a sobrancelha como se o repentino entendimento do doutor fosse algo difícil de crer.

_ Entendo o que você quer dizer com suas palavras.

_ Não! Eu farei com que você realmente entenda... - falou o rapaz, interrompendo o doutor e em seguida estalou os dedos.

Henry Philmore, psicanalista conhecido internacionalmente, escritor de três livros e pai de dois filhos, não estava preparado para aquilo...

Quente. Quente como deve ser inferno. Henry ainda estava na sua poltrona, o rapaz que acredita ser Satánas ainda estava no divã, porém a sala inteira não estava no mesmo lugar. Aquilo que os olhos de Henry viam agora só podia ser o inferno. O céu é vermelho, um rio de magma separa sua poltrona do divã do rapaz. A direita havia uma fila infinita de pessoas acorrentadas, criaturas draconianas conduziam seres humanos com se fossem gados. Henry arregalou os olhos, e antes que pudesse recitar a mais conhecida sentença humana, tudo havia acabado.

_ … Deus! - exclamou o doutor, abrindo os olhos e vendo que era sua sala outra vez.

_ Entende agora, doutor? - ria o rapaz.

Henry tentou controlar sua respiração, ele puxava o ar com força para depois soltá-lo num forte suspiro. Enxofre! Estava sentindo ainda o forte cheiro de enxofre.

_ Você esta falando a verdade... meu Deus!

_ Se quiser posso fazer uma demonstração mais realista...

_ Não! Por favor, já chega! Eu acredito em você, mas... mas o que quer de mim? Minha alma?

O rapaz agora fez uma careta de puro escarnio, ou talvez de tédio, parecia que o assunto tomava um rumo indesejado para ele.

_ Alma? E o que eu faria com a sua alma, doutor?

_ Eu não sei. Suponho que tenha alguma utilidade, bom, não é isso o que você faz? Rouba almas? Faz pactos por elas?

O rapaz soltou uma sonora gargalhada, porém de pouca duração, e no fim ele soltou um suspiro cansado.

_ Eu nunca fiz pacto por alma alguma. É tudo folclore, ficção, parábolas criadas por vocês. Por acaso você já ouviu falar em uma espécie de bolsa de valores de almas? Já viu passar no noticiário a cotação das almas no mercado? Almas não valem nada. Se Deus pagasse um dólar por cada ser humano que deseja vender-me a sua eu já estaria milionário.

_ Então o que quer comigo? - perguntou o doutor.

_ Que faça seu trabalho, oras. Pergunte-me sobre os meus sonhos, use as duas últimas palavras das minhas frases e transforme em uma pergunta, enfim, faça o seu trabalho. É psicanalista, não? Então é o que eu quero que você faça.

Doutor Henry ficou em silêncio. Se um outro colega seu de profissão lhe contasse essa história, certamente recomendaria tratamento para ele. Poderia ser isso? Talvez depois de tanto tempo entre loucos, ele enfim se torna um...

_ Estou ficando louco, deve ser isso... - lamentou.

_ Não! Eu é que estou ficando louco, doutor... - o rapaz se ergueu, ainda sentado, porém com as costas eretas e os olhos fixos no doutor agora. _ Perdi completamente o juízo. Estou no limite, doutor. Não suporto mais. Sinto que vou explodir a qualquer momento...

_ Calma, fica calmo. - disse o doutor, notando o quão genuíno é o desespero do diabo. _ Porque isso?

_ Ora, não é óbvio? Estou farto de vocês, humanos. E digo, doutor, se de fato eu tivesse metade do poder que vocês que me atribuem, ai sim este mundo estaria perdido. Primeiro esqueça de vez a bíblia, pois lá está escrito o que Ele quis que estivesse. Acho que meu erro foi não ter escrito uma... Mas eu não queria religião nenhuma, sequer seguidores. Eu só estava cansado da vida de anjo, é um saco, doutor! Acordar cedo todas as manhãs, eu tinha de ser a primeira estrela a brilhar no céu todos os dias. Não recomendo a ninguem. E quando larguei tudo, mudei de vida achando que dali pra frente eu poderia ter uma casa no lago, pescar, viver com tranquilidade, é essa merda ai o que acontece! Deus me tira pra bode expiatório.

O Diabo deu de ombros.

_ Não sei o que dizer...

_ Não diga nada, a culpa é sua também, de todos vocês. Já notou como são sortudos? Sim, todos vocês nasceram com um bilhete premiado. Podem fazer tudo, as atrocidades, as barbáries que desejarem, nunca são responsabilizados por nada. Tudo é culpa do diabo, minha culpa. Eu estou lá no inferno, que por si só já é um pecado, então algum humano resolve matar seus pais; culpa do diabo. Um humano decide fazer uma guerra, mata milhões de outros humanos; minha culpa. Minha culpa! MINHA CULPA! Pais irresponsáveis permitem que suas filhas de treze, catorze, quinze anos terem acesso a internet sem jamais monitorá-las. Essas meninas conhecem marmanjos, velhos babões, psicopatas sexuais, são induzidas a encontros, estupradas, mortas. Culpa de quem, doutor? Não responda, é uma pergunta retórica! A culpa é sempre minha. Esta vendo como vocês são criaturas abençoadas? Depois de cometerem os atos mais terríveis, vocês procuram uma igreja, aceitam jesus, ALELUIA, GLÓRIA A DEUS, PAZ DO SENHOR IRMÃOS, e vão para o céu. Ah, vai tomar no cu, porra! - terminou levando as mãos a cabeça e fitando o chão, parecia de fato desconsolado.

_ Fale baixo e preste atenção no seu vocabulário. Isso aqui não é o inferno, ou a casa da mãe Joana. - disse o doutor, provavelmente esquecendo com quem esta falando...

_ Sinto muito, doutor, acho que me empolguei... Mas consegue ao menos entender o meu lado? - perguntou o triste diabo.

_ Eu.. bom, sim, mas eu não sei como posso ajudá-lo... - finalizou o doutor, e de fato não tinha a menor idéia do que poderia fazer pelo demônio deprimido.

_ Você bebe, doutor? - o diabo perguntou.

_ Ahn, bebidas alcoólicas?

_ Claro que não é água, né? ¬¬

_ Um drinque ou dois em festas...

_ Eu preciso tomar um porre... - disse o diabo.

_ Acho que eu também... - murmurou o doutor

Nephalins.

Egito.

Saqqara Norte, cerca de 30 km da cidade do Cairo.


_ Doutor Hughes...? – indagou o rapaz. Seus cabelos castanhos claros atingiam os ombros, e a barba rarefeita, estava mais para algum aspecto sedutor do que com descuido de sua parte.
Por trás das lentes dos seus óculos com aros de marfim, talvez a peça de maior valor que carrega consigo, Richard Hughes, olhou o jovem a sua frente. Estivera há horas esperando por ele, desde que recebera um estranho telefonema do serviço de proteção aos artefatos do Egito, e por sinal não se lembrava de já ter ouvido falar nessa agência... Esperava algum baixo e gordo burocrata, mas nem sequer egípcio aquele garoto a sua frente é. – Quantos anos ele tem? 25, 30? Isso só pode ser brincadeira... – Ajeitou os óculos e olhou melhor para o rapaz, detestava esses jovens com seus óculos escuros, sempre preferia lidar com as pessoas olhando-as nos olhos.

_ Garoto, pensa que estamos brincando por aqui? Tudo o que vê ao seu redor, todos esses homens e equipamentos, fazem parte de um trabalho sério e para o qual eu dediquei mais de quarenta anos da minha vida. E agora, além de termos que levar alguém sem conhecimento arqueológico, ainda precisamos esperar por horas? - disse o exasperado doutor.

_ Não tive a intenção de atrasá-lo, doutor, e estou pronto para adentrar as catacumbas assim que vocês estiverem. Quanto a não ter conhecimento arqueológico, como o senhor disse, pretendo surpreendê-lo... – o rapaz disse com uma voz calma, tranqüila e quase lírica.

_ Qual é o seu nome? – perguntou o doutor, ainda irritado.

_ Pode me chamar de Sullivan.- respondeu o rapaz.

_ Sullivan, as escavações estão terminadas há horas, estamos todos prontos para entrar na câmera subterrânea, apenas esperávamos por você. E quero que avise aos seus superiores do serviço de proteção aos artefatos do Egito, que o fato de você entrar conosco não vai querer dizer que eles tiveram qualquer participação no nosso trabalho. Já que está aqui e isso é algo irremediável, siga-me. – disse, e em seguida foi caminhando à frente de Sullivan.

Ambos caminharam até chegar à entrada escavada no chão que os levariam a uma suposta câmera mortuária, que o doutor Hughes dedicara metade de sua vida para comprovar a existência. Richard Hughes, renomado professor de Harvard e arqueólogo conhecido mundialmente, começara sua obsessão pelo que chamava de “A história dos três”, desde que pusera seus olhos em inúmeros rolos de papiros encontrados no subsolo aonde ficava a cidade que outrora fora uma capital do Egito Antigo, a cidade de Menfis na III dinastia. Os hieróglifos nos papiros contam a historia dos trigêmeos filhos do Faraó Djoser. E de como por meio de um Elixir administrado por uma feiticeira, eles foram salvos da morte quando ainda eram bebês. O doutor Hughes acreditou que os papiros haviam sido escritos pela própria feiticeira. Em um dos Papiros, que fora escrito em uma língua jamais vista e completamente desconhecida como sendo da III dinastia do Antigo Egito, e em que o doutor dedicou mais de dez anos na tentativa de decifrar, a feiticeira relatava que mesmo sendo diferentes, os poderes que os trigêmeos adquiriram, no entanto, de maneira intrínseca eram todos eles ligados pelos elementos. Num outro trecho possível ao doutor decifrar, ele apenas identificou isto: “... amando-se eternamente. Amaldiçoados. Eternamente separados...”.

O doutor Hughes, seu assistente, e mais dois operários que na escavação haviam encontrado a porta para a câmera mortuária, mas que não entraram por saber que tal ato só poderia ser feito pelo arqueólogo encarregado, encontravam-se agora diante da entrada escavada. O rapaz, Sullivan, junto deles.

Todos adentraram o túnel escuro, somente iluminado por lamparinas espalhadas pelas paredes e tochas que os operários levavam consigo. O doutor ia à frente com seu assistente, seguido pelos operários e Sullivan. Cerca de trinta minutos de caminhada por um terreno pedregoso, todos se encontraram diante da porta que foi deixada entreaberta pelos operários. O doutor Hughes tocou na porta. Tentava ler os hieróglifos desenhados.

_ Santo Deus! Só pode ser aqui. Vamos, ajudem-me a abrir toda a porta! – pediu o doutor.

Os operários se anteciparam e forçaram a porta, que se abriu fazendo um ruído que significava séculos sem manuseio. Lá dentro, viram inúmeras arcas, varias peças reluzentes ainda. No meio da pequena sala viram três sarcófagos egípcios do período da III dinastia. Os operários se afastaram, mas o doutor Hughes caminhou como se estivesse sendo atraído em direção dos sarcófagos por uma força invisível.

_ É tudo real. Os papiros... É tudo verdade. Eles existiram! Santo Deus! Por quarentas anos zombaram de mim, mas agora aqui está a prova. Os três existiram! – o doutor falava enquanto caminhava ao redor dos sarcófagos. Sua mão pairava entre eles, como se tivesse medo de tocá-los e descobrir que não são reais. _ Vejam aqui! Seus nomes; Meryetamun, Mêmphis e Meryamun. Temos de abrir esses sarcófagos...

O doutor parou de falar quando ouviu um dos operários gritar. Olhou na direção e o que viu foi algo inacreditável. Enquanto um dos operários rolava ao chão com todo o seu corpo coberto de chamas, o outro em vão tentava apagar o fogo jogando areia. E em seguida o doutor viu este operário cair de joelhos gritando, e como se houvessem saído de dentro dele, chamas tomaram todo o seu corpo. O doutor se ergueu em choque diante da visão aterradora dos operários sendo carbonizados vivos.

_ Pelo amor de Deus, doutor Hughes! Temos que sair daqui agora mesmo! O lugar é amaldiçoado! – o assistente gritava em desespero, e em seguida explodiu em chamas.

O doutor caiu pra trás e rastejou para longe do fogo. Foi com assombro que olhou para Sullivan e viu que ele havia retirado os óculos escuros. Os olhos do jovem brilharam intensamente com uma tonalidade vermelha, como fogo...

Sullivan caminhou até os sarcófagos.

O doutor ficou em silêncio, sua mente não conseguia interpretar logicamente todos aqueles acontecimentos. Viu Sullivan imóvel diante dos sarcófagos. O rapaz parecia perdido em seus pensamentos com a cabeça abaixada e uma expressão de dor e pesar.

_ Tinham que fuçar a terra e vir até aqui, não é, doutor? Vocês não podem levar suas vidas desprezíveis e insignificantes sem olhar para trás... – disse Sullivan. Abandonou sua posição frente aos sarcófagos e foi na direção do doutor.

O doutor Hughes olhou para o jovem sem compreender nada do que ouvira. Viu Sullivan sentar-se sob uma pedra e o olhar com um sorriso nos lábios.

_ É o passado que o interessa, não é? Deseja saber o que houve com os três? Responda!

O doutor ouvira Sullivan falar-lhe todas aquelas palavras com um tom ameaçador, e mesmo que não quisesse admitir, sentiu medo ao encarar aqueles olhos flamejantes, optou pela resposta que achava ser a desejada.

_ Eu... eu desejo! – disse o doutor num murmuro quase inaudível

_ Certo! Vou realizar seu desejo... Talvez o último...


“O engraçado é que boa parte de suas especulações estão corretas, por outro lado, são imprecisas.

De fato. Os filhos do Faraó Djoser eram três, mas eram gêmeos, sabia disso, doutor? Acho que não... Mas as crianças nasceram com uma enfermidade congênita. É claro que na época isso significava que morreriam em menos de três meses. O faraó mandou que chamassem todos os médicos, sacerdotes do Deus Amon, tudo em vão. Foi um desconhecido conselheiro que falou ao Faraó sobre uma feiticeira que supostamente havia curado inúmeras pessoas. O Faraó mandou que a chamassem urgentemente.

Não foi fácil encontrar a feiticeira, mas tudo o que um Faraó deseja, ele consegue. Quando, enfim, a feiticeira foi trazida até o Faraó, este a implorou que salvasse as vidas de seus filhos, no entanto, num exame feito por ela, comprovou-se que qualquer tipo de medicina, alternativa ou não, seria ineficaz. A feiticeira deu esta notícia ao Faraó, que obviamente não a recebeu bem... Ele esbravejou, amaldiçoou a tudo e todos e disse a Feiticeira que lhe daria qualquer coisa se salvasse a vida dos seus filhos.

A Feiticeira conhecia uma única maneira, no entanto, era algo proibido, algo que deveria ser guardado... Ela tomou sua decisão. E sem revelar a ninguém, deu aos bebês trigêmeos o Elixir da Imortalidade.

No dia seguinte as crianças já sorriam, sem nenhuma evidência de ainda estarem doentes. Satisfeito, o Faraó mandou que chamassem a Feiticeira. Assim que a encontrou, disse-lhe categoricamente que podia pedir o que desejasse. A Feiticeira pediu para ficar a sós com ele, e assim que todos se retiraram, pediu que a menina lhe fosse entregue, pois não podia ter filhos, e o Faraó poderia dizer a todos que apenas a menina não se salvara, mais os dois meninos estavam fortes e saudáveis. O Faraó considerou o pedido da Feiticeira um absurdo e se encheu de fúria. Disse a ela que sumisse de sua presença por lhe ter feito um pedido inconcebível e selvagem. Nunca um Faraó venderia um filho seu. A Feiticeira se foi, mas como não podia desfazer o que já estava feito, lançou uma maldição nas crianças.


“Vidas viverão. E isso é inevitável agora... Mas, felicidade nunca encontrarão. Um não poderá viver sem o outro, três que são como um, amando-se eternamente. Amaldiçoados. Eternamente separados.”

Depois disso nunca mais se teve notícia da Feiticeira...

Os três foram crescendo.

Normalmente irmãos gêmeos costumam ter algum tipo de ligação, mas jamais houve uma como a daqueles três, doutor, jamais!


Meryetamun, Mênphis e Meryamun. Três seres distintos, mas um único amor.

Desde muito jovens, eles já sentiam um pelo outro uma atração mais do que incomum... Eram constantes as carícias que trocavam... Deve achar estranho, não, doutor? Mas o que vai dizer se eu lhe contar que uma das coisas que mais excitava Meryetamun era ver seus irmãos se tocando? Ah, e por muito tempo foi assim entre eles, sem distinção alguma. Os serviçais do Palácio os encontravam em constantes momentos juntos e unidos... Entende o que falo, meu caro?

Outra coisa que acho, vai gostar de saber, doutor. Quando atingiram a puberdade, os três, desenvolveram um tipo de dom, algo que veio junto com o Elixir da Eternidade. Cada um deles tinha um tipo de poder... Meryetamun em muitas ocasiões de raiva e fúria fazia com que coisas explodissem em chamas. Mênphis conseguia encontrar água em qualquer lugar do deserto. Meryamun, às vezes podia ser duro como uma rocha e causar tremores de terra que faziam com que todos os serviçais o temessem. Os três resolveram guardar segredo sobre tais fenômenos.

Quando adultos as coisas mudaram um pouco... Meryetamun devia se casar com Mênphis, pois, como ele nascera primeiro, sendo o primogênito e sucessor do Faraó, devia tomar sua irmã como esposa para que o sangue divino dos deuses corresse puro em seus filhos.

Entenda, doutor, ela nunca poderia ter escolhido entre um dos seus irmãos, pois os amava igualmente. Não poderia abdicar dos braços, dos beijos, do jeito engraçado e sempre alegre de Meryamun. E de igual maneira era inconcebível estar longe de Mênphis e todos os seus carinhos e calor, o seu jeito sempre sério, inteligente, consciencioso e todas as coisas que ele a ensinava.

Precisava dos dois, qualquer coisa que não fosse isso, era morrer.

Lembra-se da maldição doutor? Lembra-se que eles são imortais? Vou lhe explicar essas duas partes, uma de cada vez e em ordem.

Mênphis orquestrara um plano. E por mais que amasse Meryamun, naquele momento desejava Meryetamun apenas para ele. Então, como sucessor do Faraó, enviou seu irmão para uma fortaleza bem afastada. Assim o caminho estaria livre para seu casamento com Meryetamun.

Houve uma briga entre eles dois. Meryetamun chegara no momento exato em que os dois lutavam. Eles estavam em uma pequena casa próxima ao Nilo, local onde os três costumavam se encontrar...

O choque de ver os dois brigando de uma forma em que estava preste a perder um deles, fez com que seus poderes se descontrolassem... Eles não a viram. E também usaram seus poderes, um contra o outro.

A casa inteira explodiu. Os três morreram juntos, pela primeira vez...

Mas eles não eram imortais, você deve estar pensando, não, doutor?

Pois eu lhe digo, meu caro, eles ainda estão vivos, e ainda amaldiçoados. A imortalidade acontece de variadas formas... E os três podem morrer, mas sempre vão reencarnar e lembrar de tudo e todas as vidas passadas que tiveram.”.

_ E é essa a história, doutor, ou na verdade apenas o começo dela...- disse Sullivan e em seguida voltou a encarar o doutor.

Ainda sentado no chão, o doutor ouvira tudo sem sequer mover um músculo. A única coisa que passava pela sua cabeça era saber a verdadeira identidade do homem a sua frente.

_ Quem é você? – perguntou com uma voz fraca, mas imperiosa.

Sullivan sorriu.

_ Ainda não compreendeu... – murmurou Sullivan, balançando a cabeça em negativa. _ Muito prazer, doutor, eu me chamo Meryetamun.

Os olhos de Sullivan brilharam novamente num tom vermelho como fogo, foi à última coisa que o doutor viu, e o resto foram cinzas.

Cadeia Alimentar; vampiro Andrei Vasselevitch.

Minha paixão não é uma doença, mas sim um meio de vida. Não é um tumor que invadiu minha fibra moral, mas a verdadeira substância do meu ser. Não sou monstruoso, mas sim a quintessência da humanidade e do mal. Não é o que eu sou, mas sim quem eu sou. Eu sou quem eu sou.

Vou matá-la, eu sei. Quero possuí-la do meu modo pervertido tanto quanto quero sua vida. Isso é amor, dizemos nós, monstros, a nós mesmos. Amamos de um modo ardente demais, antigo demais, honesto demais. E, também, bestial demais. O amor é a última grande mentira. Há pouco que se possa dizer sobre um amor arrasador, tão desejoso de tornar-se um só ser com a amada que o amante cortar seu pescoço afim de beber o jorro vermelho, denso e quente, todo, até o último estremecimento do coração agonizante.

Permaneci como a sombra da jovem. Já a seguia por horas, desde que deixara seu apartamento, tomara um táxi e soltara numa rua deserta. Sei o que ela fará e a perspectiva de ver isso me excita de tal forma que só ficarei feliz quando o seu sangue rolar por minha garganta abaixo. Criatura fascinante. Ela dobra a esquina, seus cabelos dourados são agitados pelo vento. Muito bonita, irresistível a qualquer mortal. Tão mortífera quanto eu. Ela vai matar esta noite. Essa é sua paixão. Eu vou matá-la esta noite. Esta é a minha paixão.

Molly Winters chegou aonde desejava. Eu já sabia, por isso antecipei-me e esperei já dentro do apartamento que é seu destino final, ou, neste caso, o fim é do morador dele. Eu sou Andrei Vasselevitch, vampiro, alimento-me de sangue humano, leio mentes, posso voar pelos ares e uma série de outras peripécias preternaturais. Isto é o que sou há mais de quinhentos anos. Molly Winters é uma humana simples como qualquer outra, tirando uma única exceção... Nem todos os mortais possuem o mesmo hobby de Molly...

Molly Winters é uma assassina, mas ao contrário de mim que mato apenas pra viver, ela o faz por puro prazer. Aos quinze anos matou um amigo na escola, quando este tentava roubar-lhe um beijo. O crime nunca fora solucionado. Encontraram o menino jogado atrás da escola com um lápis enfiado na garganta. Foi o primeiro de uma série de mais de cinqüenta vitimas. Mas tudo na vida humana um dia chega ao fim...

Um qualquer. O tipo de sujeito que você encontra em toda esquina, no entanto, foi o escolhido de Molly. Porque? Eu sei. A mente dela é um livro aberto pra mim. Não tem lógica alguma o seu critério de escolha, mas ainda assim eu a compreendo. Eu sou o único que a compreende, e por isso, nada mais, nada menos, reservei-lhe um sublime fim nos meus braços.

O cenário montado. Dois dos participantes da peça já encontram-se no palco, a terceira e última, mas não menos importante, Molly, encontra-se parada diante da porta do apartamento. Ela tem uma faca de caça na bolsa. Eu, o vampiro, encontro-me escondido nas sombras. Ele, o escolhido, esta sentado na cozinha, tem um sanduíche em mãos, ele não sabe que será sua última refeição. Devo avisá-lo? Talvez ele prefira comer algo mais interessante, talvez o seu prato preferido, antes de morrer...

Como posso explicar o meu estado de ansiedade nesta situação? Normalmente sou criatura sem sentimentos, fria, não transparente. E, não sou assim porque quero, e sim porque vivi tempo demais. Sinto-me jovem, com o coração batendo apressado. Eu poderia estar suando de nervoso agora, mas não é pra tanto. E odeio exageros.

Ele não me interessa, mal o noto. Não pertence a mim e sim a Molly, que por conseguinte, não pertence a mais ninguem, além de mim.

Daniel se levantou assim que ouviu o som da campainha. Molly fitava-se no espelho que carrega consigo. Ela é extremamente vaidosa. Perde horas se arrumando quando pretende sair pra matar. Segundo a própria, esta é uma forma de dar uma bela última visão a suas vítimas.

Molly e Daniel se conheceram na faculdade. Ele o rapaz fantasma que ninguem nota a não ser que seja pra dirigir-lhe alguma zombaria. Ela a garota-maravilha que todas as outras querem se parecer e todos os garotos querem transar. Daniel não acreditou quando ela mesma se convidou pra um jantar em seu apartamento, no entanto, viu pelo olho mágico, lá estava ela com seu sorriso irresistível.

Daniel soltou um suspiro, contou até três e abriu a porta. Molly sorriu, deu-lhe um beijo no rosto, em seguida o olhou de cima abaixou e fez cara de desaprovação.

_ Eu trouxe vinho e comida chinesa. E o senhor ainda nem tomou um banho, pelo que vejo. Já pro banheiro, Daniel. – ordenou de modo sedutor.

Pobre Daniel, estalava os dedos de tão nervoso. Sim, ela tinha dito que viria, mas como ia acreditar nisso? Molly Winters, vinho e comida chinesa, no seu apartamento? Ele achou que fosse uma piada, mas aqui está ela, em carne e ossso.

_ Eu não acreditei que você fosse mesmo vir. Desculpe.

_ Não seja bobo. Eu sou uma mulher de palavra. Banho, Daniel. – foi empurrando ele em direção ao quarto. _ Fique bem bonito para mim, e não se preocupe, eu acho a cozinha, quando você terminar estará tudo pronto.

Um Daniel atônito e nervoso entrou no banheiro. Molly facilmente encontrou a cozinha. Passou tão próxima de mim que fiquei surpreso com o fato de não ter me notado. Tirou o vinho e a comida das sacolas. De sua bolsa um poderoso sedativo que faria Daniel dormir pelo tempo suficiente que ela precisará para amarrá-lo.

Preparou tudo enquanto ia cantarolando Paint it black do Rolling Stones. Música bastante apropriada, diga-se de passagem.

Quando Daniel deixou o banheiro, já vestido, seus cabelos castanhos escuros bem penteados, tendo optado, a despeito de sua visão míope, a não usar os óculos, Molly já tinha tudo em seu devido lugar.

O rapaz chegou na cozinha, seu nervosismo é quase palpável. Fiquei tentado a interromper a ordem natural das coisas e tomá-los, os dois para mim, entretanto, eu não sou egoísta, não sempre... Foi recebido por um beijo nos lábios de Molly que o fez corar. Ela o puxou para a cadeira. Tinha uma vela acesa em cima da mesa. Que delicado da parte dela fazer daquele momento o mais romântico possível. Molly ofereceu a Daniel uma taça de vinho cheia do sedativo e pegou a outra para si.

_ Um brinde a sua saúde, meu querido Danny. – eu sorri com a extraordinária ironia das palavras dela. Daniel ergueu sua taça e tocou a de Molly. Em sua mente ainda as mesmas perguntas sobre o repentino interesse dela na sua pessoa. Daniel se sentiu um cara de sorte...

Não demorou muito. Passaram a uma conversa trivial sobre as aulas da faculdade, até que ele soltou um sonoro bocejo, fechou olhos por alguns segundos, em seguida abriu-os, achando muito esquisito aquele sono súbito. Molly ficou de pé e foi em direção a ele, sentou-se no colo do rapaz e segurou seu rosto com ambas as suas mãos.

_ Durma, meu anjinho, eu cuido de você. – a cabeça de Daniel pendeu indo ao encontro dos fartos seios de Molly. Ele apagou completamente.

Observei Molly preparando o cenário para o próximo ato.





Daniel despertou trinta minutos depois. Qual não foi o seu choque ao ver que se encontra deitado na mesa da cozinha que, no entanto, agora encontra-se no meio da sala, suas mãos e pernas estão amarrados nos pés da própria mesa. Muito bem amarrados, por sinal, Molly sabe bem que diante de muita dor, alguns deles são capazes de se livrar de nós mal dados. E o rapaz agora achou que compreendia. Mas é claro, não? Molly Winters sairia com ele? Um ninguem, um nerd idiota qualquer? Claro que não. Daniel olhou em volta, esperava ver os outros alunos da turminha de Molly que viviam lhe pregando peças, porém, viu apenas Molly. Ela estava parada diante da janela, tinha uma faca enorme em mãos e fitava a rua lá fora.

_ O que está acontecendo? – perguntou Daniel.

Molly, como que pega de surpresa, encarou-o. Abriu um sorriso doce que tranquilizaria qualquer um que não estivesse completamente amarrado numa mesa.

_ Vamos brincar, Danny. O nome do jogo é ' eu te corto e você não grita'. É claro que vou deixá-lo completamente ciente de todas as regras. Não sou injusta, como você logo verá... – Molly aproximou-se dele. _ Regras, Danny. Eu vou fazer dez cortes em você com essa faquinha aqui. Apenas isso e te liberto. Mas, tem apenas uma coisinha... Se você gritar, acrescenta automaticamente mais dez cortes a brincadeira. Entendeu, querido?

_ Você é maluca? Molly, por favor, desamarre-me, eu não quero brincar. Você já me drogou, pelo amor de Deus, isso já esta indo longe demais! Eu vou denunciar vocês a policia! – esbravejou Daniel.

Molly balançou a cabeça negativamente. Deslizou a ponta da faca pela coxa de Danny. E rapidamente passou a rasgar suas roupas sem ouvir os protestos dele. Deixou-o sem a camisa e a calça. Notou que aquilo excitara o rapaz, assim que viu um robusto volume em sua cueca.

_ Veja só! Você está gostando da brincadeira. – ela passou a ponta da faca pelo abdômen dele. _ Vamos começar o jogo. Não grite, Danny.

A faca foi deslizando pelo peito do rapaz enquanto Molly sorria. Em seu íntimo, posso ler isso na sua mente, Danny acreditava ainda que fosse só uma piada, logo os outros apareceriam para rir do medo dele. Então tentou ser forte e encarou Molly com um certo ar de desafio.

Ela o cortou. A lâmina rasgou seu peito, arrancando-lhe para sempre um dos mamilos. Daniel gritou. Na verdade, foi um urro de pura dor. Eu sorri. Molly ficou muito triste.

_ Ah, não! Danny! Você gritou no primeiro corte! Céus! Eu agora tenho mais dez cortes. Dezenove cortes, Danny, dezenove totalizando agora. Que droga! Vê se fecha a boca. – falou Molly, profundamente triste por Danny. Eu aprecio a ironia.

_ Para com isso, por favor, para com isso!– suplicou o jovem Daniel. Eu me aproximei um pouco, ainda escondido nas sombras.

Molly cortou mais uma vez, outra, e mais outra. E, ele, talvez por não ter compreendido bem as regras do jogo, ou porque, de fato, não tinha muita imunidade a dor, gritou por tantas vezes que Molly perdeu a conta dos cortes, passando assim a retalhá-lo furiosamente. O sangue esguichou para todos os lados, sujando todo o carpete, atiçando a minha sede.

A senhorita Winters parou agora. Ficou completamente imóvel. E também completamente banhada no sangue do extinto Daniel. Ela deixou a faca cair no chão e ficou olhando, admirada, seu trabalho.

Um belo momento de contemplação. O artista que acaba de terminar uma obra prima, olhando admiravelmente para o resultado dos seus esforços. Adoro Molly Winters. Estou completamente fascinado por ela. Não existe a menor possibilidade de que não seja minha.

Eis o momento da revelação. Prometeu surge e trás o fogo aos humanos. Peter Pan entra pela janela, acorda Wendy, uma insana, sou forçado a admitir, oferecendo-lhe uma viagem sem volta para a terra do nunca!

Voilá! Andrei Vasselevicth entra em cena. Merde para mim!

_ Brilhante! Fantástico! – deixo as sombras e vou caminhando para o centro da sala, para a minha Molly, minha Sybil Vane, já que sou seu Dorian Gray, imortal.

Deixando seu transe contemplativo, Molly, vira seu rosto em minha direção. Lindíssima com as bochechas vermelhas de sangue. Quero beijá-la. Vi-a curvar-se, pegando a faca, pondo-se em posição de combate.

_ Vai querer jogar comigo? Eu não vou gritar. Vamos, comece. – fui até ela. Molly não hesitou e cravou a faca abaixo do meu peito, enterrando-a até o cabo, e, como todo bom ator, fiz minha encenação. Transformei minha expressão facial em uma careta de dor e cai de joelhos, não antes dela puxar a faca de volta. Olhei-a diretamente nos olhos. Obviamente não gritei.

_ Quem é você e o que esta fazendo aqui? – perguntou ela.

_ Sou Andrei Vasselevitch. O que estou fazendo aqui? Ora, eu vim jogar. Mas, se me permites, vou mudar as regras um pouco... Você tem direito a mais um corte, e então será a minha vez. – permaneci de joelhos, olhando para ela e sorrindo.

Ela veio até a mim, puxou-me pelos cabelos, assim deixando meu pescoço livre para sua faca.

_ Você já era, maluco. - cortou-me de orelha a orelha. Fechei os olhos e deixei que meu corpo fosse de encontro ao chão. Ela ficou parada, olhando para mim e indagando-se. 'Como esse cara veio parar aqui?'. Em seguida tratou de pegar todas as suas coisas. Tinha a intenção de se limpar e sair, mas a minha chegada a deixara preocupada e com pressa. Trocou de roupas e limpou o sangue como pode. Quando Molly chegou a porta eu me levantei, fiz isso em menos de um segundo.

_ Ah, o jogo ainda não acabou, Molly. – ela se virou, pela primeira vez seu rosto expressar o mais puro medo. Sua atenção foi tomada pela total ausência do ferimento em meu pescoço. Movi-me novamente rápido demais para os seus olhos mortais. Segurei-a pelos pulsos, prendendo-a contra a madeira da porta. _ Minha vez...

Deixei que minhas presas falassem por mim, enterrando-as no pescoço de Molly. Seu sangue veio alegremente para minha boca. Chupei com vontade, sorvendo cada gota de lembrança, cada assassinato cometido, cada jogo, cada vida, almas roubadas, pela minha doce Sybil Vane. Foi com um esforço hercúleo que a deixei. Tomei-a em meus meus braços e fiz com que deitasse no sofá. Seu sangue aliado a suas lembranças mortíferas deixaram-me tonto. Cambaleei até uma poltrona do outro lado da sala, sentando-me. Molly recuperou os sentidos, buscou-me com os olhos.

_ Vampiro... – murmurou.

_ É tudo o que sou, querida. – retruquei. Limpei meus lábios com a manga da camisa.

_ Por favor, eu quero ser como você... – suplicou Molly. Minha Molly assassina dirigiu-me uma súplica. Senti-me cheio de alegria.

_ Isso não pode ser. Gosto de você assim. Humana e assassina. Quente e macia.

Ela se levantou lentamente, estava fraca devido a perda de sangue. Perda para ela, para mim foi tudo muito bem aproveitado... Deu passos trôpegos em minha direção. Eu apenas a fitei. Molly sentou-se em cima das minhas pernas e me beijou nos lábios, mordendo-me, suas mãos se fecharam em minha nuca.

_ Por favor, por favor, por favor... sussurrou, gemeu, por entre nossos lábios.